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Punk rock feminino escancarando as contradições

Dar voz às mulheres periféricas tem sido um grande desafio no meio underground que, por mais que se autointitule democrático, libertário ou tolerante, continua sendo um espaço, se não ameaçador, provavelmente excludente para minorias. Mostrar essas contradições, e vê-las como um primeiro passo para transformar o punk/hardcore em mudança social é a intenção por trás das letras, shows e da própria essência da banda Kebrada HC.

Entrevista por Marcelo Fernandes
Fotos de divulgação

O que levou vocês a criarem a banda?
Vic: Então, eu e Letícia sempre quisemos ter uma banda juntes, desde 2014.
Juuh: Muitas coisas na verdade, a falta de bandas de minas na cena que fizessem o tipo de som que a gente curte e, falando por mim, a necessidade de tocar e a rotina de banda que pra mim é muito legal.
Vic: De repente em 2019 decidimos que era a hora de pôr a mão na massa. Letícia conhecia a Juuh, e sabia que ela tinha as mesmas ideologias que nós, e que daria super certo. Nos juntamos justamente com essa ideia.
Letícia: A ideia da Kebrada HC veio primeiramente de uma vontade de muitos anos de formar uma banda com mulheres na formação devido à ausência de mulheres na cena, e também para poder contestar e expor o que temos vontade de falar, incluindo as opressões que passamos.

E como é ser uma banda de mulheres na cena punk/hardcore. Um local majoritariamente branco, masculino e heterossexual?
Letícia: Queria poder dizer que é tranquilo (risos), mas não é. É a mesma coisa que estar em qualquer espaço da sociedade. As formas de opressões são as mesmas e até piores em algum sentido, pensando que a cena por ser subversiva por vezes não faz a autocrítica.
Vic: Já tivemos alguns problemas com isso, de ouvir comentários desagradáveis, de duvidarem de nós, de termos que nos envolver em brigas para defender manas, de sermos insultades em grupos de WhatsApp. Algumas pessoas procuram motivos para tirar nossa credibilidade. Mas também tem pessoas que nos apoiam muito, fazem roles com a gente para apoiar a causa. A questão é que existir é resistir né? Então seguimos fortes independente das situações.
Juuh: Tem os desafios que já enfrentamos no dia-a-dia, claro tem a parte boa, muita gente agradece por estarmos lá e se sentem representades, mas a cultura punk apesar de ter um berço periférico e preto, é intolerante em alguns sentidos e foi também como grande parte da cultura do país embranquecido.

Essas batalhas são visíveis nas letras da banda, como em “Fascistóide de Rebite” que diz: “… mudar aqui pra mudar lá fora…”. Vocês veem um potencial revolucionário no punk/hardcore, apesar das opressões que denunciam?
Vic: Sim, utilizar a música como forma de protesto, de mudar o mundo, deve ser feito em diversos estilos. E no punk/hardcore não poderia ser diferente, por vir de uma cultura de ser diferente, fugir dos padrões. É estranho ver conservadorismo nesse movimento. Não faz sentido, mas tem. Nós vemos sim potencial e buscamos justamente potencializá-lo, quanto mais bandas abordando essas pautas, melhor!
Juuh: Sim, por que isso já foi muito pior, antigamente não se tinha bandas e hoje a gente consegue ter a oportunidade de dividir o palco com outras bandas de minas e isso pra mim já é um ato revolucionário: fazer o que não era feito, e mostrar que mesmo em passos curtos,  devagar,  as coisas de certa forma caminham sim, a intolerância é combatida em cada show.
Letícia: Quando a gente entra no movimento, na cena, pelo menos falo por mim nesse sentido, é justamente por acreditar nesse potencial, fazer as músicas, expor, debater, acredito que talvez a revolução não se faça como a gente realmente quer e de forma instantânea, porque pecamos muito na cena com relação a não formar uma rede efetiva de atuação, mas entendo que o potencial de poder mudar, mesmo que pouco, a ação de um indivíduo e fazê-lo refletir sobre a questão de gênero, por exemplo, já é uma revolução.

Falando em revolução. Em tempos de pandemia e de fascismo, uma boa parte da política acaba sendo feita de casa, de modo virtual. Vocês denunciam a política exclusivamente virtual como uma farsa na letra de “Hipocrisia Descarada”. Na opinião de vocês o uso dessas tecnologias apenas aliena ou pode ser mais um espaço de luta?
Vic: Pode ser mais um espaço de luta, e de disseminação de conhecimento, depende de quem propaga a informação. É uma ótima ferramenta para lutar e se comunicar, o problema é quando a pessoa não passa disso. Fica apenas no mundo virtual, mas no real age ao contrário do que diz nas redes, essa pessoa acaba favorecendo e MUITO a opressão, o fascismo. Temos que lutar na internet e fora dela. Na internet, compartilhamos informações e nos identificamos como a favor de determinadas pautas, na vida real, fazemos valer o discurso, em pequenas atitudes que seja, mas não ficamos parades. Temos que lutar! Há muito o que ser mudado.
Letícia: Com certeza pode ser espaço de luta, mas não deve ser o único. Hipocrisia descarada fala disso, pessoas que se dizem isso e aquilo mas não atuam realmente. As tecnologias conseguem ampliar vozes, dar informação e devem ser usadas, e usadas da maneira certa, infelizmente tem muita informação errada, falsa, inclusive dentro desse projeto de fascismo, mas sim, apesar disso também é um espaço importante, principalmente agora durante a pandemia.
Juuh: Eu acredito que existem os dois lados, a tecnologia ajuda quem quer ajudar, quem quer só atrapalhar ou apenas gerar conflito não vai pensar em verdades ou mentiras ou ter intenção de debater qualquer assunto, o barulho é mais importante, no outro lado é o que mantém as bandas ativas atualmente, consegue acessar músicas, clips e shows etc. E consegue promover o consumo da cultura também.

O underground tem se mostrado uma cópia fiel da vida em sociedade, principalmente com o aumento de pensamentos autoritários diversos em períodos mais recentes. Como isso pode ser mudado? Como podemos tornar o underground, e mais precisamente a cena punk/hardcore, um espaço de acolhimento, de diversidade e de democracia?
Vic: Primeiro abrindo espaço para debater pautas, quando houver uma atitude que se torna preconceituosa vindo de alguém do rolê, conversar com a pessoa sobre. Algumas estão dispostas a ouvir. (Outras não, claro, mas temos que tentar!). Fazer um som abordando esses temas, apoiar minorias consumindo e compartilhando seu material, também é uma boa forma.
Juuh: Acredito que a humildade de querer mudar e aceitar que ser punk não é o suficiente faz parte da evolução e permanência de movimento, e que todas as lutas têm a sua importância e têm a quem elas pertence e faz parte de todes agregar isso, pois através de um movimento ou melhor da união de vários é que se chama atenção pros assuntos que só têm a agregar na sociedade.
Letícia: Tanto no underground como fora dele, as opressões só irão ter fim, quando as pessoas ultrapassarem o discurso, claro, o papel do discurso é muito importante, mas o que vemos são pessoas que dizem muito, não fazem absolutamente nada, como se fosse suficiente só falar. Agir também é necessário, a cena já vem tendo algumas transformações com mulheres e LGBTQ+ que resistem nesses espaços, mas até quando vamos continuar resistindo nessa cena? Por isso, só vamos ter a mudança na cena e fora dela quando as pessoas agirem efetivamente e atuar sendo o que dizem que são, a mudança só se fará assim.
Tem gente que diz que apoia a causa, apoia as mina, as mona. Não compartilha o som, não cola nos shows… Se esse tipo forma de agir não mudar, vamos nos desunir cada vez mais, não vai ter uma melhora na cena e muito menos fora dela.

Quanto ao som, a banda faz um hardcore/punk bem direto e cheio de energia. Que bandas influenciaram e inspiraram vocês para montar a Kebrada HC?
Juuh: Agregamos bandas várias parte do punk, metal etc., mas falando por mim, The Casualties, Bulimia, Non Servium, Gritando HC,  Dominatrix, SOAD, RATM, são bandas que ajudam muito na questão de energia e sonoridade.
Letícia: Putz (risos) são tantas! Vou falar das minhas influências de som que acabo trazendo mesmo que implicitamente.  Acho que  Cólera, DZK, The Distillers, Bulimia, Bia Ferreira, System of a Down, The Gladiators, Nina Simone, Ratas Rabiosa, Gulabi, Punho de Mahin, Sapataria, G.L.O.S.S., The Casualties.
Vic: Por mim, tive como influência: Nervosa,  Sapataria, Eskrota, Ratas Rabiosas, Torture Squad, Sepultura

E entre bandas ativas atualmente, quais vocês poderiam citar que são parceiras na luta por um mundo melhor?
Letícia: Tem bastante banda que faz ação, que se une em prol de algo, tivemos o prazer de estar com algumas e ver algumas atuando. Como a Gulabi, Punho de Mahin, Prayana, Days of Hate, DST, Questions, Caffeine Blues. Galera massa!
Juuh: as minas da Sapataria, Gulabi, Eskrota, Punho de Mahin, Ratas Rabiosas, Vozes Incômodas, também o pessoal do DST, Days of Hate,  MDI, Revolta Popular.
Vic: Bandas bem parceiras que temos na luta, fazendo corre, rolê e etc. São: Gulabi, Punho de Mahin , Days of Hate, DST..

Quais os planos da banda para quando a pandemia acabar?
Letícia: Quando arranjarmos ume bateriste a ideia é gravar nossos sons (estamos tentando fazer em casa agora durante a pandemia uma coisinha).
Vic: Encontrar ume bateriste rs, lançar uma bolacha, voltar à ativa, fazendo role e evento solidário, dar força a outras bandas.
Juuh: Além de future baterista, queremos gravar algum som ou alguns sons.
Letícia: E sair por aí tacando a merda na cara de ninguém não quer ver – como diz nosso hino de entrada de palco (risos).
Juuh: Sim esse é sempre um objetivo!

Bom, foi ótimo conversar com vocês! Muito obrigado! Deixo o espaço para as considerações finais de vocês:
Letícia: Ah!! Muito obrigade pelo convite e trocar essa ideia com a gente, seguimos juntes contra toda e qualquer opressão! Mais uma vez valeuzão pelo espaço e pelo trampo!
Juuh: Agradecemos a oportunidade do espaço, e vamos nos cuidar para que tudo isso passe e pra continuar a luta não só nas redes, mas também nos palcos, lutando sempre contra toda e qualquer opressão!
Vic: Bem, obrigada pela oportunidade, muito legal o seu trampo de apoiar bandas do underground. É o que mais precisamos: de espaços! Quem quiser conferir nossos materiais, nos sigam no Instagram, Facebook e YouTube. Logo logo estaremos com material novo gravado se tudo der certo! Unides pelo ódio!!

Para conhecer a banda:

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Para ver e ouvir:

Marcelo Fernandes
Professor de Geografia na rede estadual do RJ e faz parte das bandas Solstício, Las Calles e Bulldog Club.
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